Pai, a sua bênção! (Antologia de textos de autores açorianos), Coingra, 1995, 313 páginas
Esta obra, que abre a lista de livros recomendados do PRL, é uma antologia de textos de autores açorianos, comemorativa do Ano Internacional da Família, organizada por Álamo Oliveira, Ana Maria Bruno, Mariana Mesquita e Susana Rocha, numa edição da, então, Direção Regional dos Assuntos Culturais e Secretaria Regional da Educação e Cultura.
Servem de mote à época natalícia, estas páginas repletas de referências ao elo
familiar, às vivências do e no lar e ao lado afetivo e emocional que o final de
cada ano aviva. Dezembro é, assim, por excelência (embora não esquecendo os
restantes), o mês da solidariedade, da partilha e da casa acolhedora e
carinhosa que nos envolve e nos restabelece.
Ler textos de autores desde Antero de Quental a Judite Jorge, que abrem e
encerram respetivamente esta obra, com um leque genológico diversificado, mas
urdidos num fio temático unificador, permite-nos alargar os horizontes
interpretativos da ideia de família e de geração. Daí a necessidade de dividir
a exploração desta obra em partes, pois seria nitidamente redutora uma
abordagem apenas parcial. A própria nota de abertura comprova já esta
dificuldade em selecionar os textos, os autores e as obras, «o leitor,
com certeza, reconhecerá omissões e desfará presenças. Mas essa é a
consequência mais saborosa que qualquer antologia pode provocar» (p.13).
Deste modo, dezoito anos após a comemoração do ano internacionalmente dedicado
à família, esta designada “Parte I” atentará em alguns dos exemplos líricos que
refletem poeticamente sobre as ligações geracionais.
O
umbral recebe-nos com a reflexão dolorida da origem da vida no poema «Mãe…», de
Antero, seguindo-se Roberto de Mesquita com o tom melancólico de «Viuvez». O
amor e a saudade são também centrais no poema «Carta da América», de João
Ilhéu, numa imagem tão reconhecida por todos os que viram (e veem) a despedida
dos seus entes queridos para longínquas terras.
Suspende-se, aqui, esta primeira e brevíssima abordagem da obra, com os
«Conselhos», de Alfred Lewis:
“[…] Marido, esposa, meninos e casa;
Amor ligando a tudo; pão na mesa
Leitinho p’ra beber, abrigo à noite
Céu puro no verão, chuva em Dezembro
Isto é bastante p’ra viver contente.”
Importa sublinhar a diversidade dos modos e géneros literários que ilustram as
cerca de trezentas páginas subordinadas ao tema “Família”. Para além
deste tema como fio condutor de palavras, podemos acompanhar diferentes facetas
do ser humano universal com as cambiantes características do viver açoriano.
As figuras feminina da mãe e da avó, bem como as masculinas, do pai e do
avô, predominam nesta antologia de reflexos, pensamentos, imagens e
transfigurações das relações parentais, representando diferentes épocas, com
vivências urbanas e rurais, num misto de distância e proximidade. Comecemos
pelas marcas da separação física, que não deixam quebrar os laços emocionais,
numa carta escrita por Teófilo Braga (1843-1924) a Maria do Carmo Barros Leite:
“Coimbra 7 de Outubro
de 1867
Minha santa mulher; não imagina a consolação profunda que me trouxe a sua carta
de Airão; esperava recebê-la escrita já do Porto. Que paixão debaixo daquelas
palavras simples. Não sei como esta carta me veio lembrar daqueles instantes em
que estava no tanque com o lenço na cabeça à moda do campo. Não a vejo senão
assim. Que admirável que estava, e como me parece ainda mais! [...]” (p.27).
Teófilo fazia as palavras prolongarem-se no papel e aconchegarem a(s) alma(s).
Recordemos também (os que ainda são do tempo das cartas que tardavam em chegar)
a alegria e a ansiedade da receção daquela missiva tão desejada que se guardava
num recanto secreto para reler continuamente e para, mais tarde, guardar como
relíquia de uma fase a eternizar.
Em «Bodas de oiro», de Mateus das Neves (1907-1984), as quadras ao gosto
popular retratam cenas do quotidiano das nossas gentes, ”Oh! que linda festa a
de ontem/Nesta nossa freguesia:/ Bodas de oiro de noivado/ De ti’Bento e da
Maria. [...]” (p. 86), nos cíclicos ritos religiosos e sociais.
Já no texto dramático, Quando o mar galgou a terra: peça regional em
três actos, de Armando Côrtes-Rodrigues (1891-1971), a personagem
Miguel questiona, em diálogo com Aninhas, a relação estreita entre pai e filha
e a dificuldade que existe em quebrar esta ligação: “Por isso mesmo é que ele
não te queria perder, se casasses. Casar é cativar... Já não eras dele, mas do
teu marido. Para onde o teu marido te levasse ias tu, por lei de Deus e dos
homens. [...]” (p.57).
Este tomo apresenta-nos tradições, sentimentos e sensações sempre atuais que
nos prendem às pessoas e aos lugares, revelando formas de ser que evoluiram ao
sabor do desenvolvimento social, cultural e tecnológico.
Constitui-se, assim, num documento histórico que proporcionará,
indubitavelmente, momentos de puro deleite literário a todas as gerações, como
nos versos de Adelaide Batista:
“[...] Ali, onde o cachimbo
e a cadeira de balouço
apreendem
um ontem e um amanhã
num agora quente e morno
de uma brasa em fumo
libertada” (p. 262).
Paula Cotter Cabral, 2013
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