sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Jornal do Observador, de Vitorino Nemésio

VITORINO NEMÉSIO
JORNAL DO OBSERVADOR
Editorial Verbo, Lisboa / 1974

por Pierre Hourcade in Colóquio Letras, n.º 27, setembro de 1975

Assim, um escritor que a si próprio se denomina «observador», e que consagra as primeiras páginas do seu livro à definição do que se poderia chamar o «estatuto» do observador, testemunha do mundo como ele vai e da vida como ela passa, reúne, sob o título Jornal do Observador, as notas hebdomadárias que, nesta qualidade, inseriu durante mais de dois anos numa revista intitulada O Observador! Tal jogo de espelhos, que remete do autor para os textos iniciais, depois destes para o órgão em que primeiro tinham aparecido, e finalmente para a colectânea que, sob a forma de «jornal», os retoma e reagrupa, divertiu manifestamente Nemésio, sem dúvida por ser uma expressiva imagem da sua personalidade proteica, incapturável. Quando se julga poder defini-lo pelo humor, descobre-se nele um fervoroso lírico. Quando se tem a ilusão de estar a lidar com um céptico bem disposto, cai-se de improviso num sentimental melancólico ou num apaixonado defensor de certos valores que reputa fundamentais. Ninguém mais hábil que Vitorino Nemésio para jogar às escondidas com o leitor, simulando a mais completa ingenuidade.
                As crónicas aqui reunidas não estão arrumadas pela ordem cronológica da sua publicação mas mais ou menos reagrupadas, com a excepção de alguns, poucos, parênteses, em séries que sucessivamente dizem respeito à literatura, a escritores e artistas, depois a episódios e paisagens portugueses (concedendo lugar de honra, como cumpria, aos dois ambientes predilectos do Autor: Lisboa e os Açores, seu arquipélago natal); em seguida ao Brasil, cuja realidade viva só bastante tarde conheceu, mas que havia muito lhe era grato ao espírito e ao coração; à França, em que se move como em própria casa, e a um pouco do resto da Europa, ao sabor das suas peregrinações; por fim, à África lusófona, designadamente São Tomé e Moçambique. Homens, obras, paisagens; viagens através do tempo e do espaço, mas feitas sempre sob o signo da amizade – uma amizade simultaneamente lúcida, sorridente e entusiasta.
                Ao longo do caminho, notações penetrantes, que vão muito além do pretexto que as suscitou, brotam de toda a parte: sobre a ambígua relação entre observação e informação no mundo de hoje; sobre a linguagem «sempre duplo sentido, alusão»; sobre Camões, «promovido» pelo povo português «ao absoluto biográfico da encarnação dos seus valores», lugar-onde «da consciência da missão de um povo à porta dos Tempos Modernos»; sobre a impossibilidade, mesmo para Teilhard de Chardin, de lançar uma ponte entre «o conhecimento racional pela fé e o conhecimento racional pela experiência»; sobre Picasso e Charlot, «expoentes e ídolos» astuciosamente postos em paralelo com Stravinsky; sobre a velhice («a desforra do velho válido é de acudir ao novo precocemente envelhecido»); sobre «o romance consumido […] supermercado às moscas de uma sociedade consumida»; sobre o diário íntimo, «negação da intimidade»; etc. deixo de remissa outras páginas, e das melhores.
                Seria entretanto errado ver neste homem de cultura e de fidelidade um passadista ferrenho, que sistematicamente se nega ao presente. Prova do contrário são, por exemplo, as páginas em que declara voltar «deslumbrado» de Brasília. O que impressiona é antes a espantosa ductilidade de espírito, a saltitante juventude deste septuagenário sempre à espreita de novidades, e para quem as evocações do passado só têm sentido e valor na medida em que adquirem na sua pena a frescura duma realidade eternamente viva. Não é de certo por culpa sua que a vertiginosa aceleração da História no decurso do último ano dá a algumas das suas evocações um tom nostálgico de in illo tempore. Mas em Vitorino Nemésio o poeta, que transparece a cada passo no universitário cultor da crónica, não é daqueles que julgam necessário fazer tábua rasa do passado para construir o mundo vindouro, mais justo, mais humano, que ele seria o último a recusar. Simplesmente desejaria – é pelo menos o que creio adivinhar – que, sob o pretexto de o libertar, não lhe roubassem tudo quanto de válido permanece na herança cultural e afectiva que recebemos.

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JORNAL DO OBSERVADOR
DE VITORINO NEMÉSIO
UMA JANELA ABERTA PARA O MUNDO
por Luís Martins Fernandes

Curso de Preparação para Doutoramento em
Ciências Literárias
Seminário “Questões da Literatura Autobiográfica”
Lisboa, Setembro de 2000
FCSH Universidade Nova de Lisboa

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