JORNAL DO OBSERVADOR
Editorial Verbo, Lisboa / 1974
por Pierre Hourcade in Colóquio Letras, n.º 27, setembro de 1975
Assim, um escritor que a si próprio se denomina «observador»,
e que consagra as primeiras páginas do seu livro à definição do que se poderia
chamar o «estatuto» do observador, testemunha do mundo como ele vai e da vida
como ela passa, reúne, sob o título Jornal
do Observador, as notas hebdomadárias que, nesta qualidade, inseriu durante
mais de dois anos numa revista intitulada O
Observador! Tal jogo de espelhos, que remete do autor para os textos
iniciais, depois destes para o órgão em que primeiro tinham aparecido, e
finalmente para a colectânea que, sob a forma de «jornal», os retoma e
reagrupa, divertiu manifestamente Nemésio, sem dúvida por ser uma expressiva
imagem da sua personalidade proteica, incapturável. Quando se julga poder
defini-lo pelo humor, descobre-se nele um fervoroso lírico. Quando se tem a
ilusão de estar a lidar com um céptico bem disposto, cai-se de improviso num
sentimental melancólico ou num apaixonado defensor de certos valores que reputa
fundamentais. Ninguém mais hábil que Vitorino Nemésio para jogar às escondidas
com o leitor, simulando a mais completa ingenuidade.
As crónicas
aqui reunidas não estão arrumadas pela ordem cronológica da sua publicação mas
mais ou menos reagrupadas, com a excepção de alguns, poucos, parênteses, em
séries que sucessivamente dizem respeito à literatura, a escritores e artistas,
depois a episódios e paisagens portugueses (concedendo lugar de honra, como
cumpria, aos dois ambientes predilectos do Autor: Lisboa e os Açores, seu
arquipélago natal); em seguida ao Brasil, cuja realidade viva só bastante tarde
conheceu, mas que havia muito lhe era grato ao espírito e ao coração; à França,
em que se move como em própria casa, e a um pouco do resto da Europa, ao sabor
das suas peregrinações; por fim, à África lusófona, designadamente São Tomé e
Moçambique. Homens, obras, paisagens; viagens através do tempo e do espaço, mas
feitas sempre sob o signo da amizade – uma amizade simultaneamente lúcida,
sorridente e entusiasta.
Ao longo
do caminho, notações penetrantes, que vão muito além do pretexto que as
suscitou, brotam de toda a parte: sobre a ambígua relação entre observação e
informação no mundo de hoje; sobre a linguagem «sempre duplo sentido, alusão»;
sobre Camões, «promovido» pelo povo português «ao absoluto biográfico da
encarnação dos seus valores», lugar-onde «da consciência da missão de um povo à
porta dos Tempos Modernos»; sobre a impossibilidade, mesmo para Teilhard de
Chardin, de lançar uma ponte entre «o conhecimento racional pela fé e o
conhecimento racional pela experiência»; sobre Picasso e Charlot, «expoentes e
ídolos» astuciosamente postos em paralelo com Stravinsky; sobre a velhice («a
desforra do velho válido é de acudir ao novo precocemente envelhecido»); sobre
«o romance consumido […] supermercado às moscas de uma sociedade consumida»;
sobre o diário íntimo, «negação da intimidade»; etc. deixo de remissa outras
páginas, e das melhores.
Seria entretanto
errado ver neste homem de cultura e de fidelidade um passadista ferrenho, que
sistematicamente se nega ao presente. Prova do contrário são, por exemplo, as
páginas em que declara voltar «deslumbrado» de Brasília. O que impressiona é
antes a espantosa ductilidade de espírito, a saltitante juventude deste
septuagenário sempre à espreita de novidades, e para quem as evocações do
passado só têm sentido e valor na medida em que adquirem na sua pena a frescura
duma realidade eternamente viva. Não é de certo por culpa sua que a vertiginosa
aceleração da História no decurso do último ano dá a algumas das suas evocações
um tom nostálgico de in illo tempore.
Mas em Vitorino Nemésio o poeta, que transparece a cada passo no universitário
cultor da crónica, não é daqueles que julgam necessário fazer tábua rasa do
passado para construir o mundo vindouro, mais justo, mais humano, que ele seria
o último a recusar. Simplesmente desejaria – é pelo menos o que creio adivinhar
– que, sob o pretexto de o libertar, não lhe roubassem tudo quanto de válido
permanece na herança cultural e afectiva que recebemos.
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JORNAL DO OBSERVADOR
DE VITORINO NEMÉSIO
UMA JANELA ABERTA PARA O MUNDO
por Luís Martins Fernandes
Curso de Preparação para Doutoramento em
Ciências Literárias
Seminário “Questões da Literatura Autobiográfica”
Lisboa, Setembro de 2000
FCSH Universidade Nova de Lisboa
DE VITORINO NEMÉSIO
UMA JANELA ABERTA PARA O MUNDO
por Luís Martins Fernandes
Curso de Preparação para Doutoramento em
Ciências Literárias
Seminário “Questões da Literatura Autobiográfica”
Lisboa, Setembro de 2000
FCSH Universidade Nova de Lisboa
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