sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

O Peso do Hífen, de Onésimo Teotónio Almeida


Sinopse

Quase quarenta anos de América do Norte estão na base dos ensaios reunidos neste volume. A problemática dos valores, da ideologia, das mundividências, e a intimamente associada questão da identidade cultural, são centrais nas preocupações teóricas do autor que, quando lhe apontavam comportamentos estranhos nos EUA, costumava dizer «Esperem vinte anos que os terão aqui!» e agora afirma que se operou uma redução quase total desse espaço de tempo, residindo a diferença apenas na intensidade ou frequência dos problemas. Num mundo a globalizar-se vertiginosamente, cada vez esta temática é menos alheia ao universo cultural português, tendo-se tornado pão quotidiano nos noticiários e debates televisivos.

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O Peso do Hífen – Ensaios sobre a experiência luso-americana
de Onésimo Teotónio Almeida

por Victor Rui Dores in Faialonline

Estudioso acérrimo da história cultural, do imaginário e de tradição literária dos Açores, observador atento do real luso-americano, Onésimo Teotónio Almeida continua a publicar livros com espantosa regularidade, numa linha de contínua e continuada coerência com a sua obra primordial de onde irradia todo o seu imaginário: Da Vida Quotidiana na lUSAlândia (1975).

Deste autor acabo de ler, com natural expectativa, O Peso do Hífen, Ensaios sobre a experiência luso-americana (Imprensa de Ciências Sociais, 2010), que reúne uma série de textos, escritos entre 1983 e 2010, concebidos para ensaios, palestras e outras comunicações, e que agora surgem em versões alargadas, aprofundadas, expandidas, actualizadas e/ou reescritas.

Falar de Onésimo é falar de um pensamento analítico e da visceralidade de uma escrita rigorosa. E este autor pensa claro e escreve claro. Por exemplo, sobre as impressões da sua vida interior e exterior. Os seus escritos, com marcas de oralidade, propõem reflexões que são emoções e emoções que são reflexões. Eis um escritor de pormenores (patente nas inúmeras “Notas ao texto”), bem apetrechado em termos teóricos, com capacidade de informar, esclarecer, decifrar e avaliar, e que incorpora nos seus discursos os métodos e as preocupações dos mais diversos ramos da ensaística e da investigação.

Sabendo-se que, à boa maneira empirista, as ideias chegam a nós pela experiência, temos que Onésimo sabe do que fala e fala sobre o que sabe e conhece, ele que vive e escreve em permanente desassossego criativo. Da sua vivência de quatro décadas em terras americanas, da assimilação de duas culturas diferentes, ele faz, com grande lucidez, uma série de reflexões filosóficas, observações sociológicas, apreciações literárias e retira conclusões, reinterpretando e reinventando, através de uma escrita errática, os temas que lhe são particularmente caros: a experiência da diáspora, a identidade, assimilação e aculturação dos portugueses inseridos nas comunidades norte-americanas; a “cultura hifenada”; as evocações dos incontornáveis Jorge de Sena e José Rodrigues Miguéis; a revisitação dos tempos pós revolucionários de Abril; as (íntimas) mundividências; os olhares (críticos e minuciosos) sobre a história e literatura luso-americanas, etc.

Se o pensamento de Onésimo é profundamente português, a sua metodologia de análise é estruturalmente anglo-saxónica. Quero com isto dizer que este autor não é dos que usam palavras a mais para esconder ideias a menos. Bem pelo contrário: sem flores na lapela nem brincos semióticos, ele dá forma e expressão ao que sente e pensa, sem aparatos académicos, esquivando-se a hermenêuticas e a considerações excessivamente teóricas, escrevendo num português vivo e escorreito, em estilo limpo, de grande elegância lexical, e com uma muito bem conseguida articulação de ideias.

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A emigração no fiel da balança
por Nuno A. Vieira in Portuguese Times

Na ópera Nabucco, Joseph Verdi põe em pauta o lamento dos escravos hebreus, nas margens do rio Eufrates, ao relembrarem a sua pátria – “vai pensamento sobre as ‘asas douradas’”. É só em sonho que José Luís Borges, no conto El Otro, consegue aceitar o encontro do velho com o jovem – que são ele próprio – respectivamente em Cambridge, no estado de Massachusetts, no ano de 1969 e em Genebra, na data de 1914. Domingos Rebelo, no seu quadro Os Emigrantes e Tomáz Vieira, em Os Regressantes, recorrem à pintura para expressarem o espaço de aculturação entre a partida e a chegada. Agora, o Professor Onésimo Teotónio Almeida quantifica esse espaço na publicação do seu livro O Peso do Hífen.
O autor reúne, em volume, ensaios que têm como base quase quarenta anos de América. Trata-se da experiência luso-americana nas ‹‹comunidades›› norte-americanas. O escritor constata diferentes valores do peso: “O peso do hífen tem sido para mim mais do que sustentável. Leve, direi mesmo. Diferentemente hão-de sentir muitos dos meus patrícios. O peso para esses está exactamente no facto de não lhes ser possível libertarem-se mais do hífen...” (p. 14).

Onésimo Almeida, quando entra no domínio da filosofia, frequentemente fala da verdade como algo poliédrico. Neste seu livro – O Peso do Hífen – Ensaios sobre a experiência luso-americana - a vivência do emigrante aparece também multifacetada e quantificada em diferentes unidades. O escritor ultrapassa os limites da sua atenta observação pessoal e baseia-se numa bibliografia que incorpora 76 páginas de citações. Será necessariamente, para sempre, um livro de referência em matéria de emigração.

Onésimo, numa perspetiva histórica, identifica os primeiros homens que terão pisado solo na América do Norte – Estevam Gomez, nas costas do Maine, em 1525; João Alvarez Fagundes, na Terra Nova, em 1520 e o seu irmão Gaspar terá também aportado à Terra Nova antes de 1500. A seguir, o autor faz uma cronologia minuciosa do movimento açoriano emigratório e demais espaço português, indicando as terras de origem e pontos de destino das diferentes ondas de emigração, registando, ainda, as coordenadas histórico-económicas que provocaram tal êxodo. A geografia do destino parece tornar-se uma extensão do território português com localidades como: Martha’s Vineyard, Provincetown, Cape Cod, Fall River, New Bedford, Taunton, Lowell, Lawrence, Gloucester, Pawtucket, Providence, New York, Newark, Vales de San Joaquín, San Fernando e Santa Clara. A lista poderia continuar.

Os quatro períodos em que Onésimo divide a integração do imigrante nos Estados Unidos revelam diferentes valores do peso do hífen. Passarei a parafrasear o autor: No período anterior a 1965, o emigrante dissolve-se quase por completo no imenso caldeirão norte-americano, deles quase não restando o sobrenome. No período de 1965 a finais da década de 1980, propõe-se a substituição do melting pot pela conceção pluralista da salada em que os componentes da mesma manteriam as suas características. No período que se segue aos anos de 1980, dá-se uma desaceleração da euforia étnica da época anterior. O brio étnico ganha confiança, as comunidades envelhecem, os média portugueses têm menos apoio económico, assim como, também, menos leitores. O desinteresse pela política portuguesa é substituído por um maior grau de envolvimento na política local. A naturalização americana aumenta e mais portugueses tomam cargos políticos. Os filhos de emigrantes que completam cursos universitários e ocupam posições de relevo alcançam um número nunca visto. As divisões bairristas quase desaparecem. Gera-se uma espécie de estabilidade no seio das comunidades que no meio americano são reconhecidas pela sua aderência à ordem pública.

Nas décadas seguintes, o autor aponta duas direções na consolidação da L(usa)lândia: uma americanização contínua e progressiva, o que significa ‹‹desportugalização›› e a intensificação dos meios de comunicação, o que possibilita o contacto entre as comunidades luso americanas em áreas de interesse comum. Assim, continua o pensador: “O dilema do imigrante é: sair do ninho linguístico e cultural materno ou aventurar-se para além dele”. (p. 31). Prossegue: “Para muitos jovens, singrar no meio americano tem sido a consequência dum corte com a cultura portuguesa”, (p. 31). Mais adiante, “O mundo da L(usa)lândia é tão diferente do americano como o é do português”. (p. 35).

O professor Onésimo menciona três fatores que poderão afetar a consistência desse traço de união chamado hífen. São eles: um limitado domínio da segunda língua, o grau de instrução prévia e a idade inicial do imigrante (É o caso de Laurinda de Andrade que “partiu jovem da sua Terceira para os Estados Unidos e por isso se integrou bem”, p. 161). Dessa sorte, as citações autorizadas dos seguintes autores poderão estar sujeitas a interpretações de diferente peso e tonalidade: Vitorino Nemésio, em relação ao emigrante terceirense (ou, mutatis mutandis, outro qualquer) escreve: “O emigrante não pode estrangeirar-se: no fundo ficou o que era”, (p. 41). William Faulkner: “todo o homem é a soma do seu passado”. (p. 53). Finalmente, Tom Wolf: “you can’t go home again”, (p. 65).

O autor aproxima-nos da voz de alguns dos muitos distintos escritores (exilados, ou asilados? [sic]) das letras lusas da diáspora. José Rodrigues Miguéis refere-se à “dupla ligação afetiva que foi desenvolvendo com dois países”. (p. 155). Jorge de Sena fala de escritores portugueses que “carregaram às costas o fardo mais ou menos pesado da pátria”. (p. 157). Onésimo comenta desta forma os seguintes dois autores: De José Martins, escreve: “O sarcasmo era a resposta às mágoas que acumulou por onde foi passando”. (p. 159). A seguir: “A escrita de Eduardo Pinto não deixa de registar a dureza, a amargura, a melancolia pela perda do chão...”, (p. 162). O autor conclui: “Cada um a seu modo... resolveu o problema do exílio e da inultrapassável distância da pátria, conforme as circunstâncias... (que) ... constituíram parte do seu eu”. (p. 165).

No livro O Peso do Hífen ouve-se a voz de académicos, pensadores, historiadores, sociólogos, escritores, jornalistas, especialistas em diferentes áreas e a do povo. O autor leva o leitor à casa de cores garridas e ao jardim do emigrante português; nesse, observa-lhe a simetria, os altares, as estátuas e as latadas; cheira-lhe o aroma das flores e saboreia-lhes as hortaliças que originaram o seguinte provérbio em Rhode Island e Massachusetts: “Se queres ver uma batata crescer, fala-lhe português”; (p. 89). Nessa publicação, lê-se acerca de mitos e factos dos Irmãos Corte Real. Revisita-se a Pedra de Dighton. Nomeiam-se comunidades e figuras de destaque e sucesso no mundo luso-americano.

No capítulo Três décadas de literatura luso-americana: um balanço (1970-2010), Onésimo Almeida põe em relevo o património literário da experiência luso-americana. Referindo-se ao livro Guiomar de Caetano Valadão Serpa, publicado em 1990, diz: “Os subtítulos dos capítulos da narrativa descrevem claramente o conteúdo do livro, mas são também um bom resumo da problemática de toda a literatura que estamos a tratar: ‹‹[...] Decisão de partir – Regresso às ilhas – Retorno às Américas – Sonho e realidade.››. Desse período da literatura, Onésimo faz uma longa listagem dos escritores e das suas obras, quer em poesia, quer em prosa: o conto, a crónica, o ensaio, a narrativa, o romance, a escrita memorialista e traduções de obras de autores luso-americanos.
Desde sempre, a nossa gente gozou de boa reputação na opinião pública. Já a meados do século XIX, Charles Nofdhof ao referir-se aos nossos baleeiros, traçou-lhes o seguinte perfil: “São gente calma, pacífica, inofensiva, sóbria e industriosa... São tidos em grande estima pelos armadores e capitães.”(p. 22). Mais tarde, em 1942, numa polémica que se levantou em Provincetown, Mary Heaton Vorse escreveu um artigo intitulado ‹‹The Portuguese of Provincetown››, no qual em referência à gente das ilhas apregoa: “As dádivas que trouxeram para este país são incalculáveis”. (p. 132). A qualidade e ética de trabalho do nosso trabalhador mereceram elogios contínuos.

É verdade que há situações de peso. Veja-se, por exemplo, o testemunho de Helen Benedict, no seu livro Virgin or Tramp, publicado em 1992, a propósito do famigerado caso Big Dan’s: “Como resultado, o Big Dan’s não será esquecido. Revelou o cru avesso da sociedade americana – o conflito entre homens e mulheres, a suspeita generalizada em relação às vítimas, e o ódio recíproco entre americanos instalados e os que são vistos como estrangeiros, classe baixa, não-brancos, ou ‹‹o outro›› – e revelou a forma como estes elementos podem seduzir e enviesar a imprensa. (p. 262).

Para além de situações de peso, pode haver as de confusão pessoal. Joseph Pap, em livro de Lawrence Livine, diz: “O meu pai era judeu polaco, eu sou judeu americano ou sou americano judeu, seja qual for a maneira de dizê-lo. Às vezes sou apenas judeu. Mas nunca sou apenas americano”. (p. 203).

Penso que é em todo esse contexto que Onésimo escreve: “Nada disto é, porém, um lamento, apenas uma descrição que se pretende realista, com os factos a saltarem de todos os lados em seu socorro. E as exceções parecem suficientes para se considerar injusta a lamúria pura e simples”. (pp. 201-202). Será assim que o fiel da balança poderá oscilar na vida do emigrante.



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