quarta-feira, 28 de novembro de 2012
O Menino Perdido, de Susana Teles Margarido
Brites Araújo, no Correio dos Açores do dia 9 de novembro de 2008, publicou uma recensão sobre "O Menino Perdido", de Susana Teles Margarido, a qual pode ser lida aqui.
Era uma vez uma ilha muito verde, erguida no meio de um oceano muito azul.
É desta forma que tem início a história que Susana Teles Margarido nos conta n’O Menino Perdido, o seu mais recente livro para crianças, apresentado aos leitores de Ponta Delgada, nas suas versões portuguesa e inglesa, no passado dia 31 de Outubro.
E “Era uma vez…” é tudo o que basta para que a memória corra a recuperar esse outro tempo em que, ansiosos, esperávamos o ritual do conto, ou a viagem deliciosamente solitária da sua leitura. Nesses momentos de encantamento, em que fazíamos silêncio, ou nos “sozinhávamos” (como diria Mia Couto) para melhor nos enchermos de maravilhoso e de fantástico, redimensionávamos a nossa própria geografia e o mundo já não cabia à nossa volta. A leitura e/ou a narrativa tinham a capacidade de o estender para além dos seus limites conhecidos, transportando-nos para uma outra dimensão de nós mesmos, e plasmando o que éramos então de forma tão indelével que hoje funcionam como espelho onde buscamos reflexo do que efectivamente somos.
Os mundos maravilhosos e fantásticos que Susana Teles Margarido (re)cria n’O Menino Perdido, como noutros contos infanto-juvenis de que é autora, estão povoados de personagens, situações (a que não tem faltado a viagem iniciática) e criaturas que se inscrevem no imaginário e na tradição da literatura para crianças. Sereias e monstros marinhos, plantas aquáticas com poderes mágicos, animais que falam, reinos submarinos e reinos de gelo, vacas e golfinhos voadores, fadas e duendes, pais-natal para cada mês do ano, são alguns exemplos do fantástico e do maravilhoso que preenchem as obras desta autora.
No entanto, se, por um lado, eles constituem o elemento charneira desses universos literários, por outro, são sempre mediados por um real geográfico que tem nas ilhas dos Açores o seu cais de partida e de regresso. E é neste real geográfico que se cumpre, no caso d’O Menino Perdido, como na obra que o antecedeu (Luna e as Ilhas Fantásticas dos Açores), a função pedagógica dos seus livros. E essa, que é explícita em Luna, ganha n’O Menino Perdido a tonalidade subtil do amor à terra, de um amor que resgata do estigma, da pequenez, do abandono, e nos aponta a necessidade de a inscrevermos no imaginário dos contos para que ela se apresente, aos nossos olhos e aos nossos corações, com o encanto, a magia e a beleza das coisas que guardamos e por que zelamos com carinho.
Assim, a possibilidade de haver sereias a povoar o litoral de Rabo de Peixe, risível na realidade que conhecemos, extrapola do universo fictício d’O Menino Perdido para o real empírico como metáfora do potencial implícito nas coisas à nossa volta: potencial de beleza, de grandiosidade, de inclusão e de pertença. Trata-se, afinal, da possibilidade de, como disse no início, pela literatura, redimensionarmos a nossa própria geografia para que, no fim, aquilo que somos, ou o que fomos sendo, se alargue sempre mais e caiba, por inteiro e por direito, no imenso e maravilhoso universo da Coisa Humana; seja ela tão real e palpável como o cais de Rabo de Peixe, ou tão impalpável, mas nem por isso irrealista, como este menino perdido que a autora trouxe agora a público.
É já um lugar comum afirmar que existe uma criança em cada um de nós, adultos. Não estou certa de que isto possa ser aplicado indiscriminadamente, mas pode-se afirmar que a criança que há uns quantos anos atrás lia e/ou ouvia histórias de encantar, está presente na narradora d’ O Menino Perdido, como nas dos outros contos infantis de que Susana é autora, e que está, sobretudo, presente na forma maravilhada com que nos vai narrando esses mundos tão extraordinários.
E porque nenhuma produção literária digna desse nome menospreza o seu objecto ou o seu leitor, tenha este a idade que tiver, é de toda a justiça referir que a autora, em circunstância alguma, cedeu à voz de falsete, no que esta representa de depreciativo no contexto da literatura infanto-juvenil, demonstrando, desta forma, o respeito e a seriedade que os seus potenciais leitores lhe merecem.
O Menino Perdido leva-nos numa maravilhosa e fantástica viagem submarina a latitudes e a reinos apenas sonhadas, de que as ilustrações de Fedra Santos, artista nortenha cujo currículo inclui a ilustração de autores como Sophia de Mellho Breyner Andresen e Nicolás Guillen, são um complemento pictórico de qualidade assinalável, ao interpretarem não só o imaginário infantil, como a singularidade do espaço geográfico de referência, numa adesão inequívoca ao universo proposto pelo livro.
Susana Teles Margarido convida-nos, então, adultos e crianças, a embarcarmos rumo aos mundos fantásticos do nosso imaginário, convite a que basta responder com a nossa vontade de nos enchermos de infância e com a nossa adesão à senha mágica: “As fadas, eu creio nelas […]”.
Brites Araújo, Correio dos Açores, 9 de novembro de 2008
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