segunda-feira, 4 de março de 2013

Os Expostos, de Madalena San-Bento

SAN-BENTO, Madalena, Os expostos, Coleção Gaivota 78, Angra do Heroísmo, DRAS e SREC, 1994, 166 páginas



Fruto de um trabalho minucioso de escrita, elaborado a partir de elementos histórico culturais característicos de uma região insular, a autora revela-nos as condicionantes das gentes açorianas, num tempo oitocentista, e deixa perpassar, ao longo da narrativa, reflexões profundas sobre o ser humano que busca o idílico espaço de liberdade e de concretização, em  busca do conhecimento e da descoberta  das suas próprias origens.
Falamos de Rodrigo e de Ismael, personagens em tudo, aparentemente, diferentes pelo rumo de vida e pelo lugar que ocupam na sociedade. No entanto, há entre eles um paralelismo emocional que os une a um espaço idiossincrático ─ a ilha. 
Rodrigo é enviado aos Açores por demanda do pai que, por motivo de doença, foi impedido de viajar. Esta viagem proporcionou a Rodrigo a oportunidade da sua vida. Chegara finalmente a aventura idealizada e há tanto tempo frustrada por oposição paterna. A liberdade começa pelo afastamento da autoridade limitadora e prolonga-se através da descoberta da Ilha, um lugar que está enraizado em Rodrigo embora ele o desconheça.
A ilha exerce sobre a personagem um poder indescritível, «a ilha, assim, deixava de ter contornos, diluindo-se ela própria entre o céu e mar, flutuando, e tornando-se deveras uma coisa etérea. Era uma sensação, ou uma sucessão de impactos que se acumulavam na garganta e o impediam de falar» (p. 65). Parte, por isso, do desvendar do espaço exterior para o conhecimento da circunstância que o prende à terra insular e este rumo fará, assim, parte de um percurso iniciático, uma «descida aos infernos» do ser.
Ismael, cercado de proteção e amparo, cresceu no seio da Igreja, desconhecendo os seus progenitores. Este anonimato permitiu-lhe ainda assim uma (aparente) tranquilidade emocional. O acompanhamento de todos os que o rodearam ao longo da vida dotou Ismael das defesas necessárias à sobrevivência.  Deste modo, quando Rodrigo toma conhecimento da origem familiar do amigo, a única forma encontrada para o honrar e proteger é «”deixá-lo ser filho da ilha”.[...] Assim levará uma carta de recomendação, ao franquear a eternidade...”» (p.166).
A ilha cria e acolhe.  Por isso, envolta de brumas físicas ou oníricas, proporciona ao ser humano o regaço e o eterno porto de abrigo.

Paula Cotter Cabral