Fruto de um trabalho minucioso de
escrita, elaborado a partir de elementos histórico culturais característicos de
uma região insular, a autora revela-nos as condicionantes das gentes açorianas,
num tempo oitocentista, e deixa perpassar, ao longo da narrativa, reflexões
profundas sobre o ser humano que busca o idílico espaço de liberdade e de
concretização, em busca do conhecimento
e da descoberta das suas próprias origens.
Falamos de Rodrigo e de Ismael,
personagens em tudo, aparentemente, diferentes pelo rumo de vida e pelo
lugar que ocupam na sociedade. No entanto, há entre eles um paralelismo
emocional que os une a um espaço idiossincrático ─ a ilha.
Rodrigo é enviado aos Açores por
demanda do pai que, por motivo de doença, foi impedido de viajar. Esta viagem
proporcionou a Rodrigo a oportunidade da sua vida. Chegara finalmente a aventura
idealizada e há tanto tempo frustrada por oposição paterna. A liberdade começa
pelo afastamento da autoridade limitadora e prolonga-se através da descoberta
da Ilha, um lugar que está enraizado em Rodrigo embora ele o desconheça.
A ilha exerce sobre a personagem
um poder indescritível, «a ilha, assim, deixava de ter contornos, diluindo-se
ela própria entre o céu e mar, flutuando, e tornando-se deveras uma coisa
etérea. Era uma sensação, ou uma sucessão de impactos que se acumulavam na
garganta e o impediam de falar» (p. 65). Parte, por isso, do desvendar do
espaço exterior para o conhecimento da circunstância que o prende à terra
insular e este rumo fará, assim, parte de um percurso iniciático, uma «descida
aos infernos» do ser.
Ismael, cercado de proteção e
amparo, cresceu no seio da Igreja, desconhecendo os seus progenitores. Este
anonimato permitiu-lhe ainda assim uma (aparente) tranquilidade emocional. O
acompanhamento de todos os que o rodearam ao longo da vida dotou Ismael das
defesas necessárias à sobrevivência.
Deste modo, quando Rodrigo toma conhecimento da origem familiar do
amigo, a única forma encontrada para o honrar e proteger é «”deixá-lo ser filho
da ilha”.[...] Assim levará uma carta de recomendação, ao franquear a
eternidade...”» (p.166).
A ilha cria e acolhe. Por isso, envolta de brumas físicas ou
oníricas, proporciona ao ser humano o regaço e o eterno porto de abrigo.
Paula Cotter Cabral
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